
Uma pesquisa desenvolvida no Hub de Inovação AgriTech Symbiosis da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), campus de Toledo, está transformando um dos principais resíduos da cadeia da tilápia em um ingrediente de alto valor agregado: o colágeno. Iniciado em 2025, o projeto investiga rotas tecnológicas para a produção de colágeno hidrolisado a partir da pele e das escamas do peixe, com foco em sustentabilidade, inovação e fortalecimento da bioeconomia no Paraná.
A iniciativa surgiu a partir de uma demanda da empresa paranaense Oestegaard Kontinuer, especializada no desenvolvimento de equipamentos para o reaproveitamento de subprodutos de origem animal. A empresa busca aprofundar o conhecimento técnico sobre processos industriais de obtenção de colágeno, segmento ainda não explorado em seu portfólio, mas com grande potencial de inovação e mercado, especialmente no Brasil, um dos maiores produtores mundiais de tilápia.
Com apoio institucional do Governo do Estado, a iniciativa foi contemplada no edital do ano de 2023 da Agência de Desenvolvimento Regional Sustentável (Ageuni), promovido pela Secretaria da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (Seti). O programa incentiva a integração entre universidade, empresas, governo e sociedade, com o objetivo de agregar tecnologia aos processos produtivos e fomentar o desenvolvimento socioeconômico regional.
Para coordenadora do Programa Ageuni na Unioeste, professora Dra. Maria da Piedade Araújo, o programa tem desempenhado um papel fundamental ao aproximar as universidades estaduais das demandas concretas do setor produtivo, criando um ambiente propício para parcerias estratégicas. “No caso específico da pesquisa com colágeno e colágeno hidrolisado a partir de resíduos da tilápia, a Ageuni viabilizou o diálogo inicial, por meio do edital, possibilitando que a empresa apresentasse o desafio e a Unioeste apresentasse a proposta de solução, se transformando em uma colaboração concreta. Iniciativas como essa geram benefícios diretos para o desenvolvimento regional ao agregar valor à cadeia produtiva do pescado, incentivar a inovação em setores estratégicos, como o de biotecnologia e saúde, e promover o aproveitamento sustentável de resíduos”, diz.
Para Vinicius Torquato, diretor da Oestegaard Kontinuer, a iniciativa do Programa Ageuni/Unioeste promove não somente o agronegócio da região, mas também coloca o Brasil em um patamar de desenvolvedor de tecnologia. “Temos um desafio grande na região, e no nosso país, que é agregar valor aos nossos produtos e tentar de certa forma fugir das commodities; esse projeto executado pela Unioeste vem também ajudar nesse sentido. Além disso vemos como efeito secundário uma alavancagem na indústria nacional com relação a implantação dessas possíveis novas fábricas, o que fomenta toda uma cadeia metal mecânica e de insumos da região.” afirma.
“Apesar de o Paraná ser destaque nacional na produção de tilápia, ainda não há registros de produção industrial de colágeno ou colágeno hidrolisado a partir da pele e das escamas dessa cadeia produtiva no país. Boa parte desses subprodutos é destinada à produção de farinha de peixe para exportação ou simplesmente descartada em aterros sanitários”, explica a professora Dra. Mônica Lady Fiorese, coordenadora do projeto.
A pesquisa busca justamente transformar esse cenário. Atualmente, apenas 30% a 40% do peso vivo da tilápia é aproveitado para alimentação humana. Pele e escamas, por outro lado, são consideradas subprodutos de baixo valor comercial. Transformá-las em colágeno representa não apenas o aproveitamento integral da matéria-prima, mas também a geração de emprego, inovação e agregação de valor em um setor estratégico para a economia paranaense, afirma a coordenadora.
O colágeno extraído da tilápia apresenta importantes diferenciais em relação às fontes tradicionais, como bovinos e suínos. Segundo Mônica Fiorese, trata-se de um produto com alta biocompatibilidade, baixo risco de contaminação por zoonoses e estrutura molecular semelhante ao colágeno humano, o que favorece sua absorção, especialmente no caso do colágeno hidrolisado. Além disso, o produto atende a consumidores que evitam ingredientes de origem suína ou bovina por motivos religiosos, culturais ou alimentares.
Outro ponto de destaque é a sustentabilidade. O reaproveitamento da pele e das escamas reduz o desperdício, diminui a pegada ambiental do setor aquícola e se alinha aos princípios da bioeconomia e da circularidade produtiva, cada vez mais exigidos pelos mercados globais.
O projeto está sendo conduzido em etapas. Inicialmente, as atividades ocorrem em ambiente laboratorial, no campus da Unioeste em Toledo, com foco na definição de condições ideais para pré-tratamento físico-químico, extração, hidrólise enzimática, concentração e secagem do colágeno. Paralelamente, os produtos gerados passam por caracterização físico-química e funcional. Posteriormente, será definido o melhor processo, e o escalonamento. Os resultados preliminares já indicam frentes com potencial de escalabilidade e viabilidade industrial. A expectativa da equipe é apresentar, ao final da pesquisa, um modelo tecnológico apto à transferência para o setor produtivo.
O modelo de cooperação promovido pelo Programa Ageuni articula diversas entidades em torno de objetivos comuns, gerando benefícios concretos. Para a Oestegaard Kontinuer, os resultados do projeto oferecem embasamento técnico para o desenvolvimento de novos equipamentos e processos industriais. Para a Unioeste, a iniciativa fortalece a pesquisa aplicada, amplia a formação prática dos estudantes e contribui para a produção de conhecimento em uma área de fronteira tecnológica. Para o governo, a proposta apoia políticas públicas de inovação e uso sustentável de recursos. Já para a sociedade, os impactos se refletem na geração de empregos, no estímulo a soluções sustentáveis e na agregação de valor à economia regional, destaca Mônica Fiorese.
“A parceria com a Oestegaard Kontinuer é estratégica. Essa empresa já é reconhecida pela expertise em soluções para o processamento de subprodutos de origem animal. As colaborações anteriores entre a Unioeste e a empresa geraram resultados positivos em projetos voltados ao reaproveitamento de subprodutos da cadeia cárnea. Agora, avançamos para um novo desafio, aplicando esse conhecimento à cadeia do pescado”, ressalta a coordenadora.
Para a professora Mônica Fiorese, a iniciativa do Programa Ageuni reforça o potencial da Unioeste em desenvolver soluções sustentáveis e inovadoras em parceria com o setor produtivo. “Estamos falando da transformação de um subproduto de baixo valor em um ingrediente nobre, com aplicações nas indústrias alimentícia, cosmética, farmacêutica e biomédica. É um avanço científico e tecnológico que contribui para a sustentabilidade, a geração de empregos e o posicionamento do Paraná como referência em bioeconomia e inovação”, finaliza.
Texto: Alexsander Marques
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