O Paraná amargou a terceira posição no ranking de feminicídios absolutos em todo o Brasil, contabilizando os casos tentados e consumados nos primeiros seis meses do ano. É o que diz o mais recente relatório do Monitor de Feminicídios no Brasil, elaborado pelo Laboratório de Estudos de Feminicídio (Lesfem), iniciativa conjunta entre a UEL e universidades, coletivos e a Secretaria Municipal de Políticas para as Mulheres (SMPM) de Londrina.
Segundo o relatório, foram identificados, com base em notícias veiculadas pela imprensa, 862 casos de feminicídios em todo o Brasil, entre os quais 599 consumados e 263 tentados. A média nacional, ainda, fica em 3,32 feminicídios consumados por dia. O Paraná chegou até o meio do ano com 62 mulheres assassinadas e notificadas pela publicação do Lesfem. São Paulo lidera, com 122 casos e Minas Gerais fica em segundo lugar, com 90. A cidade de Londrina registrou 7 feminicídios em seis meses. O relatório contempla dados colhidos entre 1º de janeiro e 30 de junho de 2023.
Os dados deste ano, de acordo com a pesquisadora e coordenadora do Lesfem, Silvana Mariano, do Departamento de Ciências Sociais (CLCH), são bastante próximos aos divulgados em 2022, pelo Monitor da Violência. No último ano, o Brasil observou um “boom” dos casos de feminicídio, com uma mulher vítima a cada 6 horas. Foram mais de 1400 mulheres assassinadas, o maior número desde a aprovação da lei nº13.104/2015, conhecida como Lei do Feminicídio.
A última média nacional de feminicídios em relação à população de cada estado da qual o Lesfem dispõe é de 2021. Segundo o Conselho Nacional de Justiça, o Paraná figurou bem acima da média nacional, de 1,8 por habitante: a média do estado foi de 3,2. “Então, era possível afirmar que o Paraná foi, em 2021, o sexto estado com mais feminicídios por habitante”, avaliou. Os dados que relacionam habitantes por casos consumados em 2023 ainda serão computados pelo Monitor de Feminicídios do Brasil (MFB).
O inimigo dorme ao lado
Um dos dados que mais chama atenção no relatório já é um infeliz conhecido de boa parte das mulheres vítimas de agressões: o agressor não só mora, como dorme ao lado. Em 72% dos casos de feminicídios, vítima e agressor eram casal ou ex-casal. Em 17,9%, a relação é desconhecida ou incerta e em 4,3% dos casos, os dois apenas se conheciam.
E os crimes de feminicídio são, ainda, cometidos nos períodos em que famílias estão confraternizando ou descansando: aos fins de semana. O domingo (19%) é o campeão de feminicídios durante a semana, seguido do sábado (16,2%) e da segunda-feira (15%). O momento de lazer, na avaliação de Silvana, é um dos principais escolhidos pelos agressores.
“Isso é um dado muito triste. Numa sociedade patriarcal e machista, os momentos de lazer e entretenimento aumentam as incidências de assassinatos de mulheres.”
Silvana Mariano, coordenadora do Lesfem.
Os dados atestam a necessidade de se buscar por mudanças culturais que afetem o modo de o homem enxergar a mulher, na avaliação da pesquisadora. “É por isso que parte do feminismo denuncia que ‘dormimos com o inimigo’. Precisamos mudar essa cultura de que a mulher é um objeto de posse, um item de sua propriedade. Isso se concretiza na máxima ‘se ela não está comigo, não estará com mais ninguém’. É um padrão de masculinidade que deve ser descontruído”, opinou.
Violência entre as mais jovens
Mulheres entre 25 e 36 anos também estão no topo entre as vítimas de feminicídios, apontou o relatório. Foram 216 casos contabilizados nessa faixa, enquanto 155 tinham entre 37 e 45 anos e 110, entre 19 e 24 e entre 46 e 60 anos. Silvana avalia que as mulheres mais jovens, em idade reprodutiva, são as principais vítimas por terem, em muitos casos, filhos com o agressor, relação que reforça o vínculo e os episódios de violência. O que no início era para ser uma empolgante e desafiadora jornada para criar outra vida com um companheiro, torna-se um elo de sofrimento.
E como ficam as crianças em casos de feminicídio? Entre os mais de 800 casos, em 196 deles as mulheres assassinadas tinham 316 filhos. Só entre os casos consumados, foram 154 mulheres com 276 filhos, o que representa uma média de 1,8 filho por vítima fatal.
O Lesfem é um espaço de pesquisa interdisciplinar que reúne quase 20 pesquisadoras e pesquisadoras construído pela UEL, Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Universidade Federal da Bahia (UFBA), Coletivo Feminino Plural (CFP) e Secretaria Municipal de Políticas para Mulheres de Londrina (SMPM). O grupo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da ONU, e recebe o apoio do Neias – Observatório de Feminicídios em Londrina; do Coletivo Feminino Plural; do Data + Feminism Lab (Laboratório de Dados + Feminismo, em inglês), do Massachusetts Institute of Technology (MIT), dos EUA; e do Mapa Latinoamericano de Feminicídios (MLF), da associação franco-argentina MundoSur.
Feminicídios no Paraná
O Lesfem vai promover, no dia 28 de julho, o evento “Feminicídios no Paraná: visibilidade e enfrentamento”. Marcado em alusão ao Dia Estadual de Combate ao Feminicídio no Paraná (22 de julho) e ao assassinato da advogada Tatiane Spitzner, em Guarapuava, ocorrido em 2018, o evento vai reunir profissionais, professores, estudantes e público geral para dar visibilidade aos casos de violência doméstica e familiar, que culminam em crimes tentados ou consumados contra mulheres.
O evento será no Plenário do Juri do Fórum Criminal (Av. Tiradentes, nº 1575), entre às 9h e 12h. As inscrições podem ser feitas até o dia 26 de julho, pelo Sistema UEL. Ao todo, serão quatro palestras, em formato de mesa redonda, que vão contemplar temas variados sobre feminicídio:
Feminicídios no tribunal do júri: diretrizes do protocolo para julgamento com perspectiva de gênero do CNJ: com Gabriela Luciano Borri Aranda, juíza, vinculada ao Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJ/PR);
Feminicídio na imprensa: linguagem jornalística e produção de sentidos: Reinaldo César Zanardi, professor do Departamento de Comunicação da UEL;
Grupo reflexivo para homens agressores: com Eldom Stevem Barbosa dos Santos, juiz, vinculado ao Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJ/PR);
Atuação do Néias – Observatório de Feminicídios Londrina: com Meire Moreno, doutoranda em Sociologia pela UEL e integrante do Néias – Observatório de Feminicídios Londrina.
Fonte: Portal O Perobal
COMPARTILHE ESTE CONTEÚDO