Na última terça-feira (5), a Arquidiocese de Cascavel divulgou uma nota oficial em defesa de Dom José Mário Scalon Angonese, após uma controvérsia sobre um vídeo de seu pronunciamento durante uma missa na Paróquia Nossa Senhora Consolata, em Cafelândia, Paraná.
No vídeo, gravado durante a cerimônia de crisma no domingo (3), o arcebispo abordou o tema da comunhão diretamente na boca, uma prática tradicional entre alguns católicos, mas que ele considerou uma preferência desatualizada para a maioria dos fiéis adultos. A fala gerou reações diversas, sendo amplamente criticada nas redes sociais.
Detalhamento da fala de Dom José Mário
Durante a missa, Dom José Mário percebeu que muitos dos jovens crismandos preferiam receber a eucaristia diretamente na boca, uma tradição mantida por alguns católicos. Em resposta a essa observação, o arcebispo expressou sua opinião de que a prática era inadequada para a maioria dos adultos. Ele iniciou explicando o significado simbólico da eucaristia como alimento espiritual e a importância de que, assim como qualquer alimento, fosse recebido pelas mãos:
“Gente adulta come com as próprias mãos; eucaristia é alimento. Quem ganha comida na boca é uma criança.”
Dom José Mário prosseguiu, afirmando que a comunhão na boca pode representar um comportamento infantilizado na fé, o que ele considerou desnecessário e desalinhado com a maturidade espiritual esperada de adultos e catequistas. Ele destacou a comunhão na mão como uma prática alinhada à dignidade pessoal e um gesto simbólico de responsabilidade individual dos fiéis.
Para justificar seu posicionamento, ele mencionou o contexto histórico da prática. Segundo o arcebispo, a comunhão diretamente na boca se consolidou na Idade Média e, embora válida, não precisa ser adotada como norma para os fiéis de hoje. Ele afirmou:
“Vai na Bíblia, vê se tem comunhão na boca… comunhão na boca é da Idade Média. Vamos viver no nosso tempo, olhando para o futuro e não para trás.”
Além disso, Dom José Mário revelou sua insatisfação ao ver ministros e catequistas, que têm o papel de liderar a prática litúrgica, optando pela comunhão na boca, algo que, segundo ele, demonstra uma desconexão com os ensinamentos do Concílio Vaticano II, que incentivou a comunhão nas mãos como um meio de aproximar a Igreja das práticas do mundo contemporâneo.
“Confesso que, quando vem um catequista e uma ministra da eucaristia comungando na boca, com as mãos para trás, eu fico decepcionado.”
Ao referir-se à comunhão na mão, Dom José Mário sugere que a prática simboliza uma maturidade espiritual, em que os fiéis são chamados a receber o corpo de Cristo com consciência e reverência, mas sem depender de um rito que ele considera desnecessário para a maioria dos adultos:
“Quando a gente começa a olhar muito por esses artifícios externos, corre o risco de perder o foco do essencial, que é o mandamento do amor. Isso é o essencial.”
Para ele, esse foco no “essencial” deve orientar a fé católica atual, incentivando os fiéis a olharem para frente e a integrarem práticas que aprofundem sua relação espiritual sem apego a formalidades históricas.
A Reação e a Crítica nas Redes Sociais
A fala do arcebispo foi transmitida ao vivo nas redes sociais da Paróquia Nossa Senhora Consolata, mas o vídeo foi removido posteriormente devido à repercussão negativa. No entanto, trechos da gravação já haviam sido amplamente compartilhados, gerando intensa discussão online. Muitos fiéis criticaram o arcebispo, afirmando que ele estava desrespeitando uma prática tradicional e que seu tom foi visto como desdenhoso para com aqueles que preferem comungar na boca.
Algumas críticas vieram de católicos mais conservadores, que sugeriram que Dom José Mário estaria alinhado com a Teologia da Libertação, uma corrente teológica que enfoca justiça social e que, historicamente, recebe críticas de setores conservadores. Tais afirmações aumentaram o alcance da discussão, levando até mesmo alguns fiéis a defenderem a prática tradicional como uma forma de maior reverência ao Santíssimo Sacramento.
A Nota Oficial de Apoio da Arquidiocese de Cascavel
Em resposta às críticas e interpretações divergentes sobre a fala de Dom José Mário Scalon Angonese, a Arquidiocese de Cascavel divulgou uma nota oficial manifestando apoio ao arcebispo. A nota, assinada pelos presbíteros da arquidiocese, visa esclarecer o contexto das declarações feitas durante a missa de crisma e sublinhar a legitimidade de sua abordagem catequética. A Arquidiocese enfatiza que Dom José Mário utilizou uma linguagem didática, destacando o caráter simbólico e espiritual da prática de receber a comunhão nas mãos, especialmente em tempos modernos.
“O teor do pronunciamento de Dom José Mário expressa legitimamente seu modo catequético e familiar de comunicação. Em momento algum houve desacato ou impiedade para com o Santíssimo Sacramento do Altar. Dom José Mário fala com a liberdade de quem confia em quem está diante de si.”
A nota faz referência ao Christus Dominus, documento do Concílio Vaticano II, para legitimar o discurso do arcebispo. Este decreto orienta os bispos a adaptar as práticas de ensino e catequese de acordo com as necessidades dos tempos. A Arquidiocese reforça que Dom José Mário, como líder espiritual e pastoral, utiliza métodos de comunicação que visam esclarecer as práticas litúrgicas com uma visão atualizada, em busca de uma Igreja mais conectada à realidade de seus fiéis.
“O Decreto conciliar Christus Dominus, sobre o múnus episcopal, propugna que os bispos, legítimos sucessores dos Apóstolos, devem explicar a doutrina cristã com métodos apropriados às necessidades dos tempos, esforçando-se por se utilizar dos vários meios dos quais dispomos atualmente (cf. § 13).”
Na nota, os presbíteros da arquidiocese também reforçam o respeito e a confiança na liderança de Dom José Mário, descrevendo-o como “sinal visível da unidade desta Igreja particular.” A nota destaca que a fala do arcebispo não pretendeu desrespeitar a tradição, mas sim guiar a comunidade com base nos princípios de dignidade e maturidade da fé.
“Com efeito, uma pessoa e sua dignidade superam infinitamente qualquer recorte de uma sua alocução interpretada fora de contexto.”
Por fim, a Arquidiocese convoca os fiéis a manterem o espírito de unidade e comunhão, seguindo o exemplo de Dom José Mário, que se compromete a conduzir a comunidade com fidelidade aos valores do Evangelho. A nota conclui pedindo que os católicos da região rezem pelo arcebispo e demonstrem apoio à sua liderança pastoral.
“Rogamos ao povo católico da Arquidiocese de Cascavel que prossiga em seu venerável e coeso testemunho de unidade eclesial. Isso se mostra também na oração e no apoio para com seu pastor, pois ele é sinal visível da unidade desta Igreja particular e tem a missão de nos encorajar sempre na fidelidade ao Evangelho de Jesus.”
A Comunhão na Boca: Uma breve revisão histórica
A prática de receber a hóstia diretamente na boca remonta a tradições antigas da Igreja Católica, que historicamente atribuía um sentido profundo de reverência à forma como o corpo de Cristo era comungado. A mudança para a comunhão na mão ganhou força no Concílio Vaticano II, iniciado em 1962, que trouxe uma série de reformas litúrgicas e doutrinárias, visando tornar a Igreja mais acessível e conectada com o mundo contemporâneo.
Entre as mudanças estava a permissão para que os fiéis recebessem a comunhão nas mãos, um ato que passou a ser visto como uma expressão de responsabilidade pessoal e maturidade na fé. A medida foi inicialmente implementada em algumas dioceses europeias e, eventualmente, adotada por várias outras partes do mundo. Contudo, o Vaticano manteve a liberdade de escolha, permitindo que o fiel decida se prefere receber a hóstia na mão ou na boca, conforme seu costume ou devoção pessoal.
Durante a pandemia de COVID-19, a prática da comunhão nas mãos foi ainda mais incentivada, com o objetivo de diminuir o contato físico e reduzir o risco de contaminação.
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